ENTREVISTA AO SECRETÁRIO-GERAL DA FENPROF
Mais uma vez, a possibilidade de suspender a avaliação foi rejeitada pela maioria absoluta que apoia o Governo; nas escolas, são dezenas de milhar os que entram na luta e recusam entregar objectivos individuais; a luta dos professores está forte, como se confirmou pela adesão à greve de 19 de Janeiro, e para continuar, devendo manter este importante traço de grande unidade; entretanto, na semana que agora começa, deverá ter início um novo processo de revisão do ECD…
É face a tudo isto que decidimos colocar nove questões a Mário Nogueira, Secretário–Geral da FENPROF, que responde na primeira pessoa.
P: A não aprovação, pela Assembleia da República, da suspensão da avaliação que consequências terá para os professores e para as escolas?
MN: Era uma nova oportunidade para devolver alguma tranquilidade às escolas, mas o grupo parlamentar do PS não a quis aproveitar. De facto, a teimosia do Governo em manter esta avaliação está a perturbar fortemente a vida das escolas e a interferir negativamente no desempenho dos professores. O interesse da Escola Pública foi, mais uma vez, remetido para segundo plano, elevando-se, como prioritários, os interesses político-partidários.
P: Há quem diga que os professores não querem ser avaliados e que, por exemplo, este ano temem ser avaliados negativamente. Daí a sua forte reacção. Que tens a dizer a isto?
MN: Que não há nenhum fundamento nessas afirmações. Haver ou não avaliação é um debate que está há muito ultrapassado. A discussão é sobre o modelo que deverá ser adoptado, sendo que os professores não aceitam o actual. Em relação ao ano em curso, os professores sabem que os efeitos negativos de uma avaliação negativa não se produzirão, pois isso está legalmente salvaguardado. O problema é que os momentos mais trabalhosos, mais conflituosos, que mais perturbarão a vida das escolas e desviarão os professores da actividade com os alunos coincidem com os momentos mais sensíveis e também mais exigentes do ano lectivo, precisamente o seu final. É curioso como há quem tanto se preocupe com os prejuízos que as lutas dos professores poderão acarretar para as escolas mas, sobre isto, que é verdadeiramente grave, ainda não tenham dito uma palavra.
P: Que devem os professores fazer para continuarem a combater esta avaliação?
MN: Manter e reforçar a luta. Neste momento, a principal luta é a que se desenvolve escola a escola, suspendendo a avaliação, e professor a professor, não entregando os objectivos individuais. O Governo está perante um problema que não pode ignorar, tendo de encontrar uma saída negociada para o resolver. Esta é, no momento presente, a mais importante forma de luta que os professores, com o apoio dos seus Sindicatos, deverão levar por diante.
P: Poderão os professores ser penalizados disciplinarmente por não entregarem os objectivos individuais?
MN: Claro que não. Não está prevista qualquer penalização por esse facto, nem disciplinar nem de outro tipo. O que se exige aos professores, e só isso é obrigatório, é que façam a sua auto-avaliação, o que apenas tem lugar no final do ano lectivo. Já quanto aos objectivos individuais, tal como sempre afirmámos e a DGRHE confirma nas respostas que dá às escolas, não existe qualquer vazio, pois a não entrega corresponde à falta de acordo entre avaliados e avaliador e essa situação está devidamente acautelada no quadro legal que vigora. Agora, claro, os responsáveis do ME falam de penalizações para pressionarem, para intimidarem… é lamentável, embora não seja nova, essa sua postura.
P: Que solução poderia ser ainda encontrada este ano, em relação à avaliação dos docentes, para que se tranquilize a vida nas escolas?
MN: Não querendo o Governo aceitar a solução proposta pela Plataforma Sindical dos Professores, nem as que os partidos políticos propuseram e a maioria absoluta rejeitou… por outro lado, não aceitando os professores a solução que o Governo lhes impôs, só vejo uma possibilidade: ser adoptada, para este ano, no continente, a solução transitória que o Governo Regional dos Açores, também ele do PS, adoptou para a região. Parece-me que seria uma saída coerente, acertada e responsável, tendo em conta a situação de grande conflitualidade que está instalada nas escolas. E não acredito que, para o PS, o que é bom para os Açores, seja mau para o resto do país…
P: Perante tantas situações a merecerem contestação, não seria a via judicial a mais adequada para continuar a luta contra este ECD?
MN: As frentes jurídica e judicial são sempre importantes, só que complementares da principal frente que é a acção e a luta reivindicativa dos professores. A FENPROF tem muitos juristas e todos os diplomas legais são conferidos no que respeita à sua legalidade. Mas, pela via judicial o que se pode corrigir são as ilegalidades e não as soluções legais negativas. Podemos encontrar alguma matéria de legalidade duvidosa, por exemplo, nos decretos regulamentares da avaliação, mas o problema mais grave é o modelo em si e esse não é ilegal, pois faz parte da lei que contém o ECD. Além disso, é uma opção extremamente morosa que pode durar três ou quatro anos até haver uma decisão. De que interessará aos professores saberem, daqui a quatro anos, que foram sujeitos a um procedimento que era ilegal se, entretanto, já tiveram de o aplicar? Claro que tem importância esta frente. Usamo-la no momento certo, mas ela não substitui a luta reivindicativa, pois essa é que combate as soluções negativas e obriga a que mudem. Bem gostaria o ME que, em vez de lutarmos contra esta avaliação, suspendendo-a, optássemos, apenas, pelo recurso aos tribunais… mas não terá tal sorte!Quando houvesse uma decisão já eles cá não estariam e, até lá, os professores seriam obrigados a aplicar todos os procedimentos… no imediato, seria a vitória do Governo e não é por acaso que tantas vezes os governantes afirmam que, se temos dúvidas, recorramos aos tribunais... a luta é que não, isso é que eles temem mais…
P: Se a FENPROF tem recorrido a essa via, quais os processos mais importantes que, neste momento, estão em curso?
MN: Neste momento temos em curso, no tribunal, uma grande acção contra o roubo de 2,5 anos de tempo de serviço, temos inúmeros processos decorrentes do concurso de acesso a titular, temos outros, de colegas contratados, por causa da avaliação do ano passado, solicitámos um parecer ao um Juiz Conselheiro jubilado do Tribunal Constitucional, Dr. Guilherme da Fonseca, sobre o novo modelo de gestão e temo-lo usado em diversas instâncias, continuamos com processos relativos aos concursos, outros que ainda correm a propósito do não pagamento de horas extraordinárias pelo serviço de substituição, entre outros… enfim, são muitas centenas de processos e muitos pareceres que até já levaram o secretário de estado adjunto, um dia, a afirmar que a FENPROF passa o tempo a ameaçar com recurso aos tribunais… pois é, a ameaçar e a concretizar… este é um importante apoio que os Sindicatos prestam aos seus associados, e são eles que, através da sua quotização, permitem o pagamento dos salários aos advogados. E, já agora, foram também interpostos dois processos contra o senhor Emídio Rangel pelas atoardas e insultos que dirigiu aos professores devido às suas lutas.
P: Falando de lutas, temos ouvido quem defenda que a luta deverá ser de “tudo ou nada” e que só uma greve por tempo indeterminado resolveria os problemas que hoje se abatem sobre professores e a Escola Pública. É essa a posição da FENPROF?
MN: Não pode haver lutas de tudo ou nada, sob pena de os professores, na luta contra esta tão prepotente maioria absoluta, poderem perder tudo e não ganharem nada. As lutas, para serem eficazes, deverão unir os professores, o maior número de professores possível, e têm-no conseguido, como se confirmou nas últimas greves realizadas e pela participação nas manifestações promovidas pela Plataforma Sindical. O Governo, apesar da sua arrogância, teve de recuar em alguns aspectos: nunca conseguiu aplicar integralmente o seu modelo de avaliação, teve de ceder em aspectos muito importantes dos concursos, teve de abandonar a ideia de transferir o pessoal docente para os municípios… é claro que há questões muito importantes, designadamente do âmbito da gestão e do ECD, que continuam por resolver, mas é por isso, também, que continua a ser necessário continuar a lutar… mas com cabeça. Por exemplo, uma greve por tempo indeterminado e, portanto, em que os professores, por tempo indeterminado, deixariam de receber salário, teria uma adesão de quantos professores? De dez mil? Admitindo que sim, isso significaria que cerca de 93% dos docentes estaria fora da luta… isso inverteria tudo o que tem acontecido e o que é necessário que aconteça… Não empurramos os professores para becos, para lutas que os desunam, pois não é dessa forma que os problemas se resolverão… Tal como a vida não é só preto e branco, também as lutas não se esgotam no tudo ou nada.
P: Quando se aproxima um novo processo de revisão do ECD, com que expectativas parte a FENPROF?
MN: Foram os Sindicatos que, com a força dos professores, obrigaram à abertura deste processo de revisão do ECD. Para o ME, a revisão estava feita e correu-lhes bem, pois impuseram tudo… Quando exigimos e partimos para este processo de revisão fizemo-lo com objectivos bem definidos: eliminar a fractura da carreira, substituir a avaliação e acabar com as quotas, revogar a prova de ingresso, aprovar regras para a elaboração dos horários dos docentes que sejam pedagogicamente adequadas, definir novas regras para a aposentação dos docentes, tendo em conta o elevado desgaste que provoca o exercício continuado da profissão… se não forem estes os objectivos a atingir, então não valerá a pena entrar neste processo, por isso, espero que o ME tenha compreendido ao que vamos e tenha, igualmente, compreendido que vamos fortes (as últimas greves não enganam) e que, caso se mantenham as actuais soluções de carreira, a luta tenderá a tornar-se, também ela, mais forte…
(do site da FENPROF)
Sem comentários:
Enviar um comentário