Um Programa que prossegue políticas em curso, é omisso em matérias importantes, generalista e/ou confuso em outras... Claro só na promoção dos privados!
O programa para a Educação, apresentado pelo XIX Governo à Assembleia da República, é demasiado generalista, omisso em matérias que são muito importantes e confuso em outras, sendo claro, sobretudo, na intenção de tratar o público e o privado como se fossem uma e a mesma coisa e na desvalorização que advoga das carreiras docentes, querendo simplificar o ECD e criar ainda maiores dependências hierárquicas na gestão das carreiras.
Trata-se de um programa que parte do princípio, errado, de que, nas escolas, não existe um ambiente de civilidade, de trabalho, de disciplina e de exigência, generalizando a ideia de que nelas reina o laxismo, não existe rigor científico no ensino, etc, sem uma palavra de reconhecimento do muito de bom que também se faz nas escolas, apesar das dificuldades que decorrem, sobretudo, da degradação das suas condições de trabalho, matéria sobre a qual nada é dito.
O que tem afectado a Educação e o Ensino, a organização e o funcionamento das escolas, os profissionais do ensino e da educação é a errada política educativa desenvolvida pelos últimos governos. É essa política que, no essencial, o programa do XIX Governo se propõe prosseguir, o que não surpreende, pois, no essencial, o PSD nunca dela se demarcou. Aliás, recorda-se, não se opôs ao corte de 803 milhões de euros no orçamento da Educação para 2011 e, quando lhe deu aval, nem sequer existia ainda o entendimento com a troika para justificar essa atitude.
Uma questão central neste programa é a promoção do ensino privado com contrato de associação. Este e o público são tratados em pé de igualdade, apontando-se o desenvolvimento progressivo de iniciativas de liberdade de escolha para as famílias. Este caminho, a ser concretizado, agravará o contexto de subfinanciamento da escola pública, fazendo com que, no futuro, esta venha a ser uma escola desqualificada e destinada aos filhos das famílias economicamente mais desfavorecidas. A FENPROF considera que esta é uma questão da maior gravidade e bater-se-á para que não seja desvirtuado o princípio consagrado na Constituição da República, de que o ensino privado é supletivo do público.
Relativamente ao modelo organizacional das escolas, incluindo o seu regime de gestão, o programa é pouco claro quando aponta a “implementação de modelos descentralizados de gestão”, embora refira a revisão, para aprofundamento, do regime de contrato de autonomia, que, associado a novas transferências de competências para os municípios (o processo de municipalização está implícito em diversos pontos), faz prever uma continuada desresponsabilização do poder central.
Já sobre o processo de constituição de mega-agrupamentos, solução que a troika refere no seu rol de imposições, mais uma vez a referência vaga à “estabilização deste processo” permite desenvolvimentos vários, tendo a não assunção explícita do que se quer fazer provavelmente mais a ver com as críticas feitas, na oposição, pelos partidos que agora governam do que com desacordo real relativamente ao processo. De resto, a referência à verticalização não engana, significando a integração das escolas secundárias nos agrupamentos já constituídos.
Relativamente aos professores e educadores, a intenção é, explicitamente, desvalorizar as carreiras profissionais. A referência à simplificação do ECD explica-se com a entrega do controlo do desenvolvimento na carreira, por parte de cada docente, aos directores das escolas, o que, para a FENPROF, é inaceitável. Sobre avaliação de desempenho, são mais as evasivas do que as certezas. Que significa “reformar o sistema de avaliação”? Referem-se intenções, mas pouco mais, percebendo-se que, afinal, o modelo aplicado ao ensino particular e cooperativo não será ponto de partida, mas somente uma referência a ter em conta. Já em relação à existência de uma prova para ingresso na profissão, trata-se da confirmação de que os partidos, agora no governo, concordam com essa prova criada por Lurdes Rodrigues. Estranho é que representando esta prova uma assumida desconfiança em relação às instituições de ensino superior que formam docentes, a nova equipa ministerial, constituída por cinco docentes do ensino superior, tanto aposte nela. Quanto à estabilidade do corpo docente, o programa é omisso no que respeita à indispensável vinculação dos docentes que há muitos anos exercem a profissão num quadro de precariedade; sobre concursos para colocação de professores, fica sem se saber se o processo de selecção que surge uma ou duas vezes referido tem a ver com isso e qual o figurino defendido, desconhecendo-se também que medidas concretas vão ser implementadas para alterar as regras de elaboração dos horários dos docentes libertando-os das imensas tarefas burocráticas para poderem dedicar-se, o mais possível, aos seus alunos. Há, ainda, uma referência ao reforço da autoridade do professor, mas omitem-se as medidas com que o Governo pensa concretizar esse objectivo.
Relativamente ao programa eleitoral, desaparece a reconhecida necessidade de desburocratizar o trabalho dos docentes, o que significava, obviamente, alterar as regras de elaboração dos horários dos docentes, libertando-os para se dedicarem, o mais possível, aos seus alunos.
Sem novidade e sem merecer o acordo da FENPROF, o programa do XIX Governo confunde qualidade de ensino com exames; revela desconfiança em relação ao seu próprio serviço, criando entidades exteriores até para a elaboração das provas e exames nacionais; não prevê qualquer revisão do regime de Educação Especial, mantendo-o e assumindo normas que põem em causa a inclusão escolar e educativa; trata a Educação Pré-Escolar não como um sector educativo, mas como um nível de ensino, faltando saber se deliberadamente ou por confusão; em relação ao Ensino Superior, pouco diz: pretende manter o sistema binário, de que a FENPROF discorda, não deixa transparecer as alterações a introduzir relativamente à matriz imposta por Bolonha e, quanto ao regime de financiamento, apenas refere a necessidade de rever o quadro legislativo global, não se sabendo, sequer, em que aspectos incidirão tais alterações.
Também nada é dito sobre o indispensável processo de reorganização curricular e sua articulação com o processo de alargamento da escolaridade obrigatória, que já está em curso. Surge apenas uma referência ao Ensino Secundário e no sentido de reforçar as vias profissionais e profissionalizantes, ligando-as sempre e só com o mundo do trabalho. Falta saber como serão valorizadas, deixando de corresponder a uma segunda escolha, e como se articularão com as restantes. Confusão grande parece ser o que se escreve a propósito das AEC (actividades de enriquecimento curricular), pois sendo a escolarização uma das principais críticas que decorre do seu processo de avaliação, diz o Governo que pretende promover a qualidade do ensino nas AEC. Que se pretende de um tempo que deverá ser, essencialmente, para ocupar tempos livres das crianças? Também as famílias deverão estar preocupadas, na medida em que, apesar da situação de crise que sobre elas se abate, quase nada se diz sobre o indispensável reforço da acção social escolar.
Em suma, e numa primeira apreciação, este programa, sendo em muitos aspectos mais do mesmo, vai mais longe na desresponsabilização do Estado pela rede pública de educação, financiando o privado com dinheiros públicos e reforçando lógicas gerencialistas e de mercado na gestão das escolas, através de uma gestão por objectivos, assente em resultados medidos em exames nacionais. Para a FENPROF e para os professores e educadores, a elevação da qualidade do ensino, a valorização da Escola Pública e a dignificação da profissão e dos profissionais docentes continuarão a ser exigências prioritárias e aspectos centrais da sua acção e da sua luta.
O Secretariado Nacional da FENPROF30/06/2011
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