Do site da Fenprof, com a devida vénia:
Nos últimos dias, os estabelecimentos de ensino particular têm promovido protestos por lhes ter sido reduzido o financiamento. Protestos que irão continuar, segundo dizem, até que o Ministério da Educação satisfaça as suas exigências. A esse propósito, entrevistámos o Secretário-Geral da FENPROF que considera que os professores têm sido as principais vítimas de todo o problema e defende, como solução, a aprovação de uma Lei de Financiamento da Educação que estabeleça um quadro transparente e objectivo de todo o financiamento.
O corte de verbas aos colégios que têm contrato de associação tem levado a muitos protestos. Quem achas que, na verdade, são as principais vítimas de tudo o que está a acontecer?
Mário Nogueira (MN): Sem dúvida, os professores. Eles têm sido as primeiras vítimas da situação, sofrendo todo o tipo de pressões e ameaças, mas não só, muitos viram, ilegalmente, alterado o seu horário de trabalho, reduzido o seu salário e alguns foram despedidos.
Mas em relação aos protestos, como os consideras?
MN: Absolutamente legítimos. Aliás, legítimos são todos os protestos, concorde-se ou não com o motivo, desde que respeitem as regras da democracia. Agora, e falo por mim, achei deprimente o tipo de acção que escolheram. Associar crianças e morte parece-me muito infeliz e jamais seria capaz de, algum dia, desfilar em protesto com uma fotografia do meu filho dentro de um caixão. O que todos vimos foi realmente deprimente e de muito mau gosto.
E que achas do encerramento dos colégios como forma de protesto?
MN: Acho que os professores deverão exigir cumprir o seu horário de trabalho para evitar que lhes descontem esses dias. De resto, acho estranho que os pais dos alunos estejam impedi-los de ir à escola. Espero que, no final do ano, não obriguem os professores a compensar estas aulas. Só faltava isso!
Achas que os colégios têm ou não razões para protestarem de forma tão veemente como o têm feito?
MN: Independentemente disso, e já lá vou, há uma coisa que já diziam os nossos pais, e é bem verdade, para se ser respeitado é preciso respeitar. E o problema é que durante duas décadas, muitos dos empresários do sector da Educação não respeitaram nada nem ninguém: desrespeitaram os professores na relação laboral que com eles estabeleceram, desrespeitaram as famílias cobrando verbas que não deveriam ser cobradas e desrespeitaram as regras de financiamento procurando dar-lhes a volta para ver como conseguiam retirar a máxima vantagem, com a agravante de quase sempre o fazerem para lucro pessoal…
Falas das piscinas, dos campos de golfe e de actividades como equitação, tal como afirmou a ministra?
MN: … e de impérios que se alargaram a sectores como o turismo, a saúde, o lazer, a imobiliária, a indústria do café, o investimento no ensino superior ou nos PALOP… Toda a actividade empresarial, sendo lícita, é legítima, mas quando os sinais exteriores surpreendem é bom que, para que não fiquem dúvidas, as inspecções funcionem. Além disso, como há quem intervenha seriamente neste sector, até me parece bom para esses que se distinga o trigo do joio. O Ensino Particular e Cooperativo não vive todo destes expedientes, e quem não recorre a eles merece não ser confundido.
Concordas então com o posicionamento que o Ministério da Educação tem mantido neste processo…
MN: Em abstracto sim, mas é necessário perceber duas coisas. Em primeiro lugar, por que acontece isto agora, quando no passado foram muitas as denúncias ignoradas por sucessivos governos. Seria bom que fosse um posicionamento político, ideológico, mas parece-me mais uma questão conjuntural. Não há dinheiro, e então há que cortar em todo o lado onde é possível e aqui é possível. Espero enganar-me nisto, mas se tivermos em conta a natureza das políticas do actual governo, provavelmente não estarei enganado.
Voltando às verbas, achas que os 80.080 euros por ano e turma que o governo pretende pagar a partir de Setembro são suficientes?
MN: Eu acho que não são, mas não são para nenhuma escola, seja ela pública ou particular contratualizada para compensar a ausência de resposta pública. Diz o governo que, actualmente, as escolas públicas têm um financiamento de 90.000 euros ano por turma e é conhecido o sub-financiamento a que elas estão sujeitas. Ora, se o governo pretende baixar para os 80.080 euros, então a situação ficará ainda mais difícil. E isso é válido para os dois sectores. Seria preciso que se soubesse, e não se sabe, como chegou o ME aos 80.080 euros, se isso corresponde ao que é necessário ou ao que foi autorizado pelo Ministério das Finanças.
Então qual o valor que considerarias adequado?
MN: Eu acho que a questão não é fixar um valor único. Acho que o necessário é definir critérios. O financiamento de uma turma deverá compreender o quê? E é a partir daí que se fixam os valores. Até porque há escolas em que os docentes são mais antigos na carreira, outras em que não é assim, as coisas não podem ser tratadas como se fossem todas iguais. É claro que fixados os critérios, apresentadas as candidaturas e garantido o financiamento, do Estado exige-se a necessária fiscalização. É para isso que servem a ACT e a IGE. Agora quando as acções inspectivas se fazem, as irregularidades são detectadas, os processos instaurados e depois tudo acaba arquivado… Se assim for, está aberto o campo para a fraude. E o problema é que tem sido assim em muitas situações.
Em tua opinião faltam critérios claros e universais?
MN: Faltam. Critérios que deveriam estar fixados numa Lei de Financiamento da Educação. Nela constariam as regras de financiamento do sector público e do sector privado, as responsabilidades das autarquias, as responsabilidades das famílias… isso é que seria transparente e objectivo. Assim não, é cada um a ver se engana o parceiro!
Por fim, em alguns protestos têm-se ouvido pais a afirmar que têm o direito de escolher a escola do seu filho. Têm ou não?
MN: É claro que têm, o que não têm é o direito de exigir que os outros – e os outros aqui são os contribuintes – paguem o exercício desse direito. O Estado deve pagar integralmente a educação de um jovem no ensino particular se ele não tiver acesso à escola pública; mas se a frequência do colégio se dever a uma opção dos pais, eles não podem exigir aos que não fizeram tal escolha que, com os seus impostos, paguem essa opção. Seria pouco democrático. O que todos devemos exigir é que os nossos impostos sirvam para o Estado promover uma resposta educativa pública de grande qualidade. Resposta essa que deverá ser prestada por escolas públicas ou, não havendo possibilidade, por estabelecimentos privados contratualizados para o efeito. / www.fenprof.pt
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