“O futuro depende de nós, da nossa determinação, da confiança que temos em nós mesmos”
Os tempos são difíceis, as lutas justificam-se fortes e, próxima que está uma grande luta – a Greve Geral convocada para 22 de março –, quisemos ouvir o Secretário-Geral da FENPROF sobre a situação que hoje se vive e que, em particular, vivem os professores e a Educação. Esperança e confiança foram as suas palavras finais em relação ao futuro porque, afirmou, o futuro depende “de nós, da nossa determinação, das nossas convicções, da confiança que temos em nós mesmos. O futuro é uma construção coletiva, mas os coletivos constroem-se de vontades, disponibilidades e compromissos individuais.” E rematou: “continuo a acreditar nas pessoas”. A conversa passou ainda pelas alterações em curso – currículos, concursos, gestão… – e as suas consequências para os docentes.
Estamos a atravessar um tempo extraordinariamente difícil que os professores sentem de forma particularmente forte. Será o mais difícil desde o 25 de Abril?
Mário Nogueira (MN): Provavelmente! O país caiu nas garras dos especuladores e agiotas internacionais que fazem dele um balão de ensaio para aumentar, em toda a Europa, a exploração dos trabalhadores e o empobrecimento generalizado dos povos. É um tempo em que as pessoas contam cada vez menos, enquanto o capital se enche como há muito não acontecia, concentrando, em si, a riqueza que é produzida.
E como se chegou aqui? Vivemos mesmo acima das nossas possibilidades?
MN: De forma alguma. O problema criou-se com as políticas levadas a cabo por sucessivos governos. Destruíram o nosso aparelho produtivo, gastaram milhares de milhões com as parcerias público-privadas, roubaram dinheiros públicos através da especulação financeira, dos off-shores, de gastos com o BPN e outros, de sucessivas derrapagens em grandes obras públicas, apostaram em baixos salários e trabalho precário e, como todos sabemos, continuaram a conviver com o compadrio, a corrupção, a evasão fiscal e a economia paralela… que se podia esperar disto?
Achas que a chegada troika ao país ainda agravou os problemas?
MN: Claro. Se a situação já era desastrosa, agravou-se com a entrada da troika e com o acordo de agressão que foi assinado pelo governo anterior e pelos partidos do atual governo. As medidas de austeridade que se sucedem sem parar são todas dirigidas contra os trabalhadores, não promovem o crescimento e o país, asfixiado pelo garrote da dívida, parece dirigir-se para o abismo.
Há factos que confirmam esse caminho?
MN: Sim, há factos e números que falam por si: 1,2 milhões de desempregados, 1 milhão de precários, o salário mínimo nacional mais baixo da zona euro com um valor líquido abaixo do limiar da pobreza, 1 milhão de idosos com pensões abaixo dos 300 euros… isto tudo apesar de os portugueses trabalharem mais horas que, em média, os trabalhadores da zona euro!
Problemas que o acordo na concertação irá agravar, concordas?
MN: Concordo sim, a situação já é a que é, mas os poderes político e económico ainda acham pouco. O acordo da “troika” governo – patronato – UGT, pretende trabalho gratuito, com a eliminação de dias de férias, feriados, folgas e descansos compensatórios, reduzir ainda mais o pagamento de trabalho extraordinário, impor bancos de horas e flexibilizar horários de trabalho, impor a mobilidade geográfica forçada, facilitar despedimentos e reduzir o valor das indemnizações, generalizar a precariedade e reduzir a proteção no desemprego, fragilizar a Segurança Social e destruir a contratação e a negociação coletivas.
Relativamente à segurança social, tem-se ouvido dizer que a Caixa Geral de Aposentações está perto da falência?
MN: É o que se ouve dizer, mas não se diz tudo. Por exemplo, a Caixa Geral de Aposentações tem vivido, quase só, da contribuição dos trabalhadores. O Estado, enquanto entidade patronal, deveria descontar 24% sobre o valor dos salários dos trabalhadores, como acontece com os demais empregadores, mas os governos têm ignorado essa obrigação e não descontam. Como não há-de a situação estar desequilibrada? Mas isto não se vai dizendo…
Voltando ao acordo da concertação, as medidas também serão aplicadas à Função Pública?
MN: É o que quer o governo, mas é sempre assim porque esta gente tem sempre a intenção de nivelar por baixo, pelo pior e mais grave. Já só por ingenuidade se pode pensar que não é assim. Teve lugar uma reunião no Ministério das Finanças, em 17 de fevereiro, em que foram eles claros: em nome de uma alegada uniformização, pretendem aplicar aos funcionários públicos o acordo que a UGT assinou. E também disseram querer rever os estatutos de carreira dos corpos especiais, incluindo as tabelas salariais.
Mas há determinados grupos a quem o governo decidiu que, por exemplo, não seriam aplicados os cortes salariais. Exceções?
MN: Sim e se os professores não se mexerem, não lutarem, não contestarem estas políticas, não tarda e serão eles a exceção, levando com tudo o que há de pior. Se deixarmos, irão incorporar os cortes nas tabelas salariais, tornando-os definitivos, acabarão com a grelha salarial autónoma, tornarão oficial a extinção dos subsídios de férias e de Natal. Temos de agir enquanto é tempo!
E como podem os professores fazer-se ouvir?
MN: Lutando, lutando muito! Dia 22 teremos uma grande oportunidade e um importante momento de luta que, unindo todos, não pode deixar ninguém de fora. Refiro-me à Greve Geral convocada para 22 de março que deve merecer uma grande adesão dos professores. Aqueles que tanto nos têm roubado estarão atentos…
Uma greve que, para os professores, vem no momento certo…
MN: Sim, claro! Se não fosse este o momento certo de lutar qual seria? Quando fossem despedidos? Quando já não tivessem forma de pagar a casa, o carro, os seguros, os estudos dos filhos, a cirurgia avançada que remove o tumor? Quando já não aguentassem silenciar o seu empobrecimento? Quando tivessem de recorrer ao banco alimentar? Se esperássemos por chegar aí para irmos à luta, provavelmente o problema já não teria solução.
E, reconhecidamente, os professores têm sido dos grupos profissionais mais afetados?
MN: Pois têm, aos professores já foi congelada a carreira, agravado o horário de trabalho, reduzido o salário, reduzido para metade o último subsídio de Natal, eliminados os subsídios de férias e Natal deste ano, agravados os requisitos para a aposentação e reduzidas as pensões, eliminado o abono de família… em dois anos reduziram o nosso rendimento entre 20 a 30% mas hoje pagamos mais IRS, mais IVA, mais IMI, mais do gás, da luz, da água, da alimentação, da renda de casa, dos combustíveis, dos transportes públicos, da educação dos nossos filhos, da nossa saúde e dos nossos familiares…
Também a Educação tem sofrido muito com os cortes orçamentais. Como achas que irá resistir o sistema educativo?
MN: Vai ser muito complicado. Este ano, reduziram 1500 milhões de euros na Educação, em cima dos 800 milhões do ano passado. Portugal é último na UE com a Educação a valer apenas 3,8% do PIB! Como combater, sem investimento, as elevadas taxas de insucesso e abandono escolares que persistem? Como responder positivamente a desafios tão importantes e exigentes como o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos? Não é possível! E a questão é que, nesta situação de crise tão profunda, seria necessário reforçar respostas, não apenas no plano educativo, mas no social, dada a situação das famílias.
Mas não está o governo a cortar gorduras que ainda subsistem?
MN: Na Educação, há muito que deixou de haver gorduras. Por exemplo, a chamada revisão da estrutura curricular persegue, apenas, dois objetivos: de imediato, extinguir cerca de 10.000 horários de trabalho e poupar 102 milhões de euros; depois, ter caminho aberto para limitar o designado núcleo essencial das aprendizagens ao aprender a ler, escrever e contar, retirando daí tudo o que contribui para a formação plena dos cidadãos e lhes permite uma intervenção cívica ajustada aos princípios das sociedades verdadeiramente democráticas.
E há outras medidas em curso…
MN: Sim, que não têm como quadro de referências o educativo ou o social, mas apenas o político e o financeiro. São os mega-agrupamentos com automatismos que os desencadeiam, é a extinção de projetos das escolas ou o aumento de alunos por turma…
E quanto à gestão, da revisão em curso resultarão alterações significativas?
MN: Esta revisão visa, sobretudo, criar os automatismos que refiro antes: sempre que os órgãos de gestão cessem mandatos são nomeadas comissões administrativas provisórias que criarão o mega-agrupamento. Já em relação à gestão, no que é essencial, nada se altera. A “eleição” dos coordenadores de departamento é condicionada por três escolhas do diretor, os pais são afastados do conselho pedagógico, mas não se alteram as competências deste órgão. De positivo, apenas a possibilidade de as escolas constituírem os departamentos tidos por adequados. Essa foi uma proposta nossa, porque essa impossibilidade é um forte constrangimento à boa organização pedagógica das escolas.
E também está em curso um processo de revisão do regime de concursos, tendo a FENPROF requerido a negociação suplementar. Porquê?
MN: Porque as soluções até agora encontradas não são ajustadas às necessidades das escolas e dos professores. Este novo regime, na prática, assume o “despedimento” de milhares de contratados e aumenta a instabilidade dos docentes dos quadros. Há omissões, como a da vinculação, que são inaceitáveis, há opções negativas e há formulações que, nuns casos são dúbias e, em outros, são contraditórias. Nunca a FENPROF poderia concordar com uma solução final global destas, pelas razões que já tornámos públicas.
Como resistir a tudo isto e combater estas medidas?
MN: Só assumindo um forte compromisso com a ação e a luta. É preciso que sejam combatidas resignações e comodismos, é preciso contrariar pensamentos simplistas porque não é simples a situação com que estamos confrontados. Às vezes, há quem diga que perdemos muito com a luta e que, por exemplo, com a greve se perde um dia. E sem a luta, o que ganhamos? Rigorosamente nada e se ficarmos parados podemos contar com mais cortes, mais perdas, mais roubos. Muito mais do que um dia…
E já se preparam tais roubos, não?
MN: Claro, por isso já se diz que a recessão não será de 1,8% mas de 3,3%, que o desemprego não será de 13,6% mas de 14,5%, que, nos próximos 3 anos, irão reduzir 2% dos funcionários públicos, com aplicação ministério a ministério, ou que os professores ganham acima da média… Estão a preparar o terreno.
Achas que devemos olhar para o exemplo grego?
MN: É muito importante que o façamos. Os gregos são os maus da fita e Portugal o menino bem comportado… e então? À Grécia é desculpada boa parte da dívida, reestruturada a própria dívida, uma agência até já veio subir o seu rating em 4 níveis e a OCDE diz que as perspetivas são de crescimento da economia. Portugal continua a pagar tudo, as perspetivas são negativas e vai-se ouvindo falar na necessidade de novo resgate, que é como quem diz mais e maiores sacrifícios para quem trabalha. Isto é porquê, porque os gregos encolheram e pararam? Sabemos bem que não!
Tens dito que, entre outros aspetos, há também uma grande responsabilidade dos trabalhadores, e dos professores em particular, em relação ao futuro, que pretendes afirmar com isso?
MN: Que é enorme a nossa responsabilidade para com as gerações seguintes à nossa. Herdámos, dos nossos pais, direitos e, sobretudo, uma democracia que eles construíram em tempos muito difíceis. Poderemos ficar de bem connosco se desperdiçarmos tudo isso, deixando aos nossos filhos menos do que tivemos para nós? Não nos podemos acomodar atrás dos custos da luta. Uma greve custa um dia de salário? Pois bem, para muitos o nosso presente custou-lhes a vida, caramba! O futuro que estamos a construir é o dos nossos filhos e dos nossos netos, aqueles para quem dizemos, com sinceridade, que queremos o melhor… Então lutemos por isso!
Uma última pergunta: como vês esse futuro de que falas?
MN: Com esperança e confiança que, essas, nós dominamos. A esperança e a confiança no futuro, num futuro melhor, porque esse depende de nós, da nossa determinação, das nossas convicções, da confiança que temos em nós mesmos. O futuro é uma construção coletiva, mas os coletivos, constroem-se de vontades, disponibilidades e compromissos individuais. A cada um cabe contribuir com a sua parte e eu continuo a acreditar nas pessoas.
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